Figueiró da Serra e Freixo da Serra, no concelho de Gouveia, estão a criar um novo modelo para as suas aldeias: tornando-as mais seguras, mais sustentáveis e mais vivas. Depois de terem passado por dois grandes incêndios em 2017 e 2022, fundaram a Associação Veredas da Estrela e juntos querem abrir novos caminhos para o futuro. Acabaram de lançar uma campanha de crowdfunding para dar os primeiros passos.
As aldeias de Figueiró e Freixo da Serra na encosta Norte da Serrra da Estrela foram fortemente atingidas pelo grande incêndio de agosto de 2022: praticamente metade da sua área foi devastada pelas chamas. Foi a segunda vez, depois de 2017, que muitos dos 400 habitantes perderam quintas e projetos de uma vida. Um terreno público à volta das lagoas de regadio, reflorestado em fevereiro de 2022 pela comunidade com cerca de 1000 árvores, voltou a arder. “Foi uma experiência única que nunca tinha visto na minha vida e que espero nunca mais ver”, comenta Arménio Teixeira, um dos conselheiros territoriais e culturais da Associação.
Com este segundo grande incêndio num período de cinco anos, começou a crescer a vontade da comunidade de voltar a alcançar controlo e determinar o seu próprio destino. “Em 2017 pensámos que era uma excepção, que um incêndio desta dimensão só era possível devido a condições meteorológicas fora do habitual. Mas desta vez percebemos que não era tanto assim e que, se não fizermos nada, daqui a 5 anos vamos ver-nos confrontados com o mesmo cenário. Não vamos ficar à espera que alguém resolva o problema por nós”, diz Júlio Teles, responsável pelas intervenções no território da nova Associação e que nasceu na aldeia de Figueiró da Serra.
Medidas estruturais desenvolvidas pela comunidade
As medidas a que se propõem incluem a melhoria da prevenção e combate aos incêndios através da criação de faixas de proteção em volta das aldeias, a reflorestação com espécies autóctones, mais resilientes ao fogo e às alterações climáticas, a criação de percursos pedestres em veredas antigas e não menos importante o apoio à atividade agro-pastoril tradicional. Durante este inverno já organizaram quatro ações de voluntariado com mais de 100 participantes para limpeza e recuperação de áreas ardidas em Figueiró e Freixo da Serra. Mas querem chegar mais longe.
Os primeiros fundos que estão a recolher através da plataforma de crowdfunding PPL, serão utilizados para a compra de máquinas essenciais para a limpeza das faixas de segurança, a organização de ações de voluntariado e a compra de 2 hectares de souto ardido que pretendem recuperar. Num local sem baldios, a ideia é transformar terras particulares em terrenos comunitários nos quais se possa experimentar formas de gestão florestal que possibilitem uma vida mais longa a estas florestas comunitárias. Fortalecer a comunidade, criar momentos de partilha, participação e convívio é inerente a todas as atividades propostas, e dirige-se a uma comunidade cada vez maior.
Exceção ao cenário de despovoamento do interior
Ao contrário da maior parte das aldeias do interior do país, a freguesia de Figueiró e Freixo da Serra tem vindo a crescer ao longo dos últimos 10 anos. Vários habitantes mais novos e famílias optaram por ficar na aldeia, e a eles juntaram-se pessoas de diversos países que começaram a recuperar quintas nas envolventes das aldeias. Assim, a nova Associação junta não só várias gerações como também pessoas de diversas nacionalidades, cruzando ideias e perspetivas de quem sempre lá viveu e de quem mudou para lá recentemente.
Uma destas novas habitantes é Corinna Lawrenz, presidente da Associação Veredas da Estrela: “Penso que temos aqui todo o potencial para desenvolver modelos diferentes, de base comunitária, e provar que viver no meio rural pode ser sinónimo de qualidade de vida. Temos a massa crítica de pessoas que se querem envolver – e ideias não nos faltam. Queremos criar exemplos positivos que cheguem à raiz do problema e que possam ser um impulso para outras iniciativas.”
De facto, mesmo antes da fundação da Associação, Figueiró e Freixo da Serra eram aldeias muito ativas. Ainda há quem produza quase todos os produtos tradicionais da região, desde queijo, azeite, frutas e legumes, até ao vinho. Cozer o pão no forno à lenha ou juntar família e amigos em redor de uma mesa, com uma refeição caseira após uma manhã de vindima, são costumes longe de serem perdidos. Mas também já existia a vontade de experimentar realidades novas, como a cerveja artesanal que se começou a produzir em pequena escala. Manter esta dinâmica e incentivar novas ideias que tragam mais vida às aldeias é outro dos objetivos de longo prazo da Associação.
“O meu sonho seria que pouco a pouco uma série de serviços comecem a existir diretamente na aldeia, que as pessoas já não se tenham de deslocar muito para trabalhar mas que haja uma economia local e sustentável que nos permita consumir produtos gerados no curto circuito das aldeias”, diz Pavel Vulfin, vice-Presidente da mesa da Assembleia. Até aí, ainda há um longo caminho por percorrer, mas os primeiros passos nas Veredas da Estrela já estão a ser concebidos.
A campanha de crowdfunding está disponível em ppl.pt/causas/estrela e www.veredasdaestrela.pt e decorre até à Páscoa.